quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

witchu

o nosso amor a gente quis mastigar devagar
sempre cada um por si só
não vê fim
não nem sim
e nem você nem eu talvez possa dizer
o gosto certo de já não saber e ir
e mastigar devagar
o nosso amor que a gente ainda sempre quis' - ver - você chegar e ser o que eu nem sei

desligo você
nus, deslizamos
pra que te esquecer
se o amor é tanto?
existo em você
por louco engano




graveola e o lixo polifônico 

sábado, 14 de dezembro de 2013

+

"Caí em meu patético período de desligamento. Muitas vezes, diante de seres humanos bons e maus igualmente, meus sentidos simplesmente se desligam, se cansam, eu desisto. Sou educado. Balanço a cabeça. Finjo entender, porque não quero magoar ninguém. Este é o único ponto fraco que tem me levado à maioria das encrencas. Tentando ser bom com os outros, muitas vezes tenho a alma reduzida a uma espécie de pasta espiritual.Deixa pra lá. Meu cérebro se tranca. Eu escuto. Eu respondo. E eles são broncos demais para perceber que não estou mais ali."

Hollywood do Velho

bau


"Parece-me que sempre estaria bem lá onde não estou, e essa questão de mudança é uma das que não cesso de discutir com minha alma"

dê - 

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

fp

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: Fui eu?
Deus sabe, porque o escreveu.


Não sei quantas almas tenho -
F. Pessoa

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

xico e v.de.m

[...]Que para ser poeta não carecemos dominar obrigatoriamente a arte de fazer versos, o arco e a lira; é poeta todo aquele que vive a intensidade sem medo da mulher-abismo.
Sabe que não amar com medo de sofrer é a maior das bobagens, é querer se vacinar contra a angústia da finitude, como se fosse possível sair vivo do amor ou da vida[...]

Conselhos de vinicius -

Caí nesse conto do varejo sociológico, mas agora me rebelo. Estamos perdidos por preguiça sentimental mesmo. Pura acomodação.
Fingimos que estamos reagindo aos sinais dos tempos. Necas. Não confundam.
Sempre ligado para ler os sinais no rosto delas. Ler principalmente os olhos, as entrelinhas, os silêncios ao dobrar a esquina etc. Não deixar que ela se entregue a divagações com os farelos dos pães do café para nós dois.

Nunca estivemos tão vacilões. Canalhas primários. Só prometemos. Dizemos que vamos e…

Passo a régua com um haikai que fiz um madruga dessas, no mercado do Peixe, Salvador, Rio Vermelho: Você vem, mexe, assanha /depois fica no vai não vai/ parece “Canto de Ossanha”.


“Você só quer me comer!!!” - Can I stay until the coffee awakes?

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

a poesia perd-ida


Após uma semana de inspiração
Curtindo àquele sentimento vago
Um estranho peso e a sensação
De estar levando no peito um mago

Uma tristeza vaga acalentada
Pela certeza de levar no peito
Todas as dores dos meus mortos
Num martelar doído e sem jeito

Súbito enquanto dirigia no caos
Do trânsito das ruas de Cascavel
Uma imensa alegria me invade
E corro pra tentar colocar no papel

Mas já foi o tempo de esculpir
Versos como o escultor à marreta
Hoje tecla-se a poesia adormecida
Adeus à mágica fidelidade da caneta

Quando o poeta digita suas mágoas
O computador parece obedecer
Vai engolindo os sentimentos
E os coloca na verdade como quer

E sai na tela exatamente o que quis dizer
Versos esculpidos de perdas e dores
Mas o computador os engole a todos
Assim como faz pra deletar os amores...


Luís Alberto - Batista Peres - L. Alberto -

poeti-ca


Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar &agraves mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.

- Não quero saber do lirismo que não é libertação.



M. Bandeira -

---

Mesmo que os cantores sejam falsos como eu
Serão bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo miseráveis os poetas
Os seus versos serão bons
Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons
E daí nasceram as baladas
E os arroubos de bandidos como eu
Cantando assim:
Você nasceu para mim
Você nasceu para mim
Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão
E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim
Me leve até o fim
Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons


Edu - Chico - sobre a validade' - c.bandido

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013


"Quando mostrou o rosto , a voz e o sonho, não soube que era como espelho. Tudo parecia resto de outros rostos, pedaços de outros abraços e sonhos quebrados entre os dela. E eu era assim tão dela , e sabia, até mais que eu poderia, que moraria entre os dedos dela se soubesse ser ela. Não quero dizer agora que a amo ou justificar por que me escondi. Ou por que não notei ou pelo menos não demonstrei que senti o ar sumir quando ela chegou com aquele jeito, e andava como se anda com os dedos no piano, chovia dentro de mim e fazia tudo esmaecer. Lembro da voz, do rosto no ombro, do modo como se entregava à música. Tirou meu ar ao entrar. Queria ficar ali, me ajoelhar, beijar e lamber a barriga. Queria implorar de novo."

- Waldir L.

baudê'



"Il faut être toujours ivre. Tout est là: c’est l’unique question. Pour ne pas sentir l’horrible fardeau du Temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve.Mais de quoi? De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise. Mais enivrez-vous. Et si quelquefois, sur les marches d’un palais, sur l’herbe verte d’un fossé, dans la solitude morne de votre chambre, vous vous réveillez, l’ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l’étoile, à l’oiseau, à l’horloge, à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est et le vent, la vague, l’étoile, l’oiseau, l’horloge, vous répondront: “Il est l’heure de s’enivrer! Pour n’être pas les esclaves martyrisés du Temps, enivrez-vous; enivrez-vous sans cesse! De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise"

laire' 


E o dia não se foi e seus pés procuravam os meus no frio e ela ria na
cama e escondia o rosto na dobra do casaco e puxava para perto. E pulou da
cama e correu e voltou com uma caneta e disse “levanta a blusa”. Continuei
imóvel, com cara de preguiça, e ela me beijou e disse “levanto eu então” e
levantou a blusa e abriu a calça e escreveu em minha virilha “Quero viver no
bolso do seu jeans.” E sorrindo completou em meu ouvido, de modo lento e
sussurrante e tão forte, quase profano, devasso, de quase perversão ou
perfeição “e ser a menina bonita do laço de fita dele, um chaveiro, a chave. E me
perder em sorrisos, viver em versos. Versos, ver sós, ver sóis. Luz”. Passou a
língua em meu ouvido, me beijou, se trocou e saiu pro trabalho. E essa foto e
esse dia bom que me persegue de novo. Não me lembrava dessa. Acho que ela
não sabe dela. Mas, Deus. Tantas lembranças. Não há mais o que lembrar além
da saudade, e saudades do quarto amanhecendo.
A luz, aos poucos - fria, discreta - começava a espiar por entre as
cortinas que mudavam, tão marrons, de cor. Difícil encontrar meio de descrever
quão amarelo era. E derretia, frio e discreto, por tudo que havia à volta. O
armário de seis portas, uma mesa com luminária, alguns papéis em cima. Uma
prateleira lotada de livros interessantes, livros nem tanto, autores bons, autores
de que nunca tinha ouvido falar. Livros de nomes que davam uma vontade de
ler, os DVDs de filmes premiados de bancada de ofertas. Todos os discos com
todas as músicas que brincávamos de viver, de sentir diferente. Sinto falta do
quarto amanhecendo.

Sinto falta de tudo se decompor em amarelo. Sinto falta da cama tão
desarrumada em nossos lençóis revirados. Sinto falta daquelas pernas que um
dia cercaram-me enquanto deitava, sinto falta do rosto ao ouvido. Respiração
ao ouvido, respiração ao ouvido, respiração ao ouvido, respiração ao ouvido.
Sinto falta de sentir o ar levando aquelas mãos, leves, por toda a minha
cintura e descendo e subindo. Sinto falta do perfume a levar, a levar. Levar. E do
rosto, derretido em amarelo frio e discreto, ainda com sono, olhos sequer
abertos, perfume ainda ali. Escondendo os cabelos do meu olhar, se mantendo à
mostra, se mantendo em mim. Sinto falta do gosto do perfume. Do gosto do
gosto e do perfume do gosto. Sinto falta do rosto e das palavras sem sons que
me desfizeram - em um amarelo frio e discreto.

O amarelo seria esquecido nas luzes vermelhas do meio-dia. 




 - dancorrea' - "T.C."

terça-feira, 26 de novembro de 2013

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"Deus sabe que somos todos atraídos pelo que é lindo e quebrado; eu já fui, mas algumas pessoas não têm conserto. Ou, se têm, é somente através de amor e sacrifício tão grande que destrói aquele que dá.”

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

--

"Então, cuide bem de você. Do que você sente, do que você faz, do que você vê e agrega. Cuide dos seus, avalie a sua importância. Tome conta de si, reajuste – se, pergunte - se. Inclua o necessário, desligue o menos importante. Abra mão quando for preciso. Aumente a beleza do verbo permanecer. Descuidos são nocivos. Ligeirezas arranham."

domingo, 1 de setembro de 2013

balada do lado sem luz

O mundo da sombra, caverna escondida
Onde a luz da vida foi quase apagada
O mundo da sombra, região do escuro
Do coração duro, da alma abalada, abalada
Hoje eu canto a balada do lado sem luz
Subterrâneos gelados do eterno esperar
Pelo amor, pelo pão, pela libertação
Pela paz, pelo ar, pelo mar
Navegar, descobrir outro dia, outro sol
Hoje eu canto a balada do lado sem luz
A quem não foi permitido viver feliz e cantar
Como eu
Ouça aquele que vive do lado sem luz
O meu canto é a confirmação da promessa que diz
Que haverá esperança enquanto houver
Um canto mais feliz
Como eu gosto de cantar
Como eu prefiro cantar
Como eu costumo cantar
Como eu gosto de cantar
Quando não tão a balada, a balada, a balada


Gilberto G.

sábado, 31 de agosto de 2013

nerú

Tu sabes como é:
se olho a lua de cristal, os galhos vermelhos do outono em minha janela,
se toco junto ao fogo as impalpáveis cinzas
no corpo retorcido da lenha,
tudo me leva a ti,
como se tudo o que existe:
aromas, luz, metais,
fossem pequenos barcos que navegam em direção às ilhas tuas que esperam por mim.

Agora, bem,
se pouco a pouco tu deixares de me querer
pararei de te querer
pouco a pouco.

Se de repente me esqueceres
não me procure,
pois já terei te esquecido.

Se consideras violento e louco o vento das bandeiras que passa por minha vida
e decidires me deixar às margens do coração no qual tenho raízes,
lembra-te
que nesta dia,
a esta hora
levantarei os braços e minhas raízes partirão em busca de outra terra.

Mas
se em cada dia,
cada hora,
sentires que a mim estás destinado com implacável doçura,
se em cada dia levantares uma flor em teus lábios para me buscares,
oh meu amor, oh minha vida,
em mim todo esse fogo se reacenderá,
em mim nada se apaga ou se esquece,
meu amor se nutre do seu, amado,
e enquanto viveres
estará em teus braços
sem deixar os meus.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

..

Acordamos e não nos levantamos.
Desde que nos apaixonamos, a cama é o nosso acampamento.
Despertamos cedo e ficamos conversando, recapitulando a rotina, rindo à toa.
É um domingo inteiro assim, entre travesseiros, almofadas e edredom.
O quarto permanece trancado, as cortinas fechadas, o jornal empilhado na porta.
De vez em quando, um dos dois é sorteado como emissário da geladeira, para buscar frutas ou água. É uma visita rápida pelos demais aposentos, na ponta dos pés para não assustar as pálpebras.
Não é aconselhável demorar pela sala, para a claridade não quebrar o encanto e nos obrigar a sair à rua.
Somos sonâmbulos um do outro. Viciados um no outro. Intoxicados um do outro.
Passamos os dias no colchão travando histórias e revelando segredos.
A cama é o nosso hotel, nossa casa na serra, nossa residência de praia, nosso bunker, nosso pub, nossa água-furtada.
A cama é o que precisamos do mundo, o resto pode levar.
Reduzimos o universo àquele estrado de madeira, e nos divertimos com os problemas antigos, com as dores antigas, com aquilo que nos antecedeu e ainda não era a gente.
Na verdade, sinto que estudo para o vestibular de sua memória. Olho o teto coberto de fórmulas, fotos, cenas, equações e cálculos de sua vida.
Decoro suas sobrancelhas, seus suspiros, sou um mímico atento de seu rosto.
Faço perguntas despropositadas - nunca prevejo o que vai cair na prova do amor.
Interesso-me por qual lugar que sentava no colégio Champagnat. Me diz que era no fundo, com as costas coladas na janela.
E você me interroga a cor da minha térmica no jardim de infância do Santa Inês. Falo rápido que era azul.
Quem teria coragem de fazer essas questões senão quem ama? Mais: quem responderia com naturalidade essas questões senão quem ama?
Não nos assustamos com nenhuma gratuidade. Não estranhamos a curiosidade ou nos envergonhamos da loucura.
Intimidade é não temer o que será feito com nossas palavras.
Deitamos de lado, atravessados, você em meu peito, eu encaixado na moldura de seu pescoço. Giramos para esquerda, tonteamos para direita, argumentamos, confortamos, descrevemos nossos amigos, confessamos nossos pecados, sussurramos bobagens.
Os ouvidos se tornam rápidos como a boca. Falo e ouço na mesma hora.
Nossas mãos se beijam, nossos pés se beijam.
Tudo é intenso entre nós a ponto da lembrança criar a experiência. É como se nossos olhos fossem aquela máquina polaroid cuspindo fotos.
Os vizinhos devem suspeitar que já morremos, mas nunca estivemos tão vivos.


- Não abandonamos o quarto no domingo, -

1968*


“Quem já conheceu o estado de graça reconhecerá o que vou dizer. Não me refiro à inspiração, que é uma graça especial que tantas vezes acontece aos que lidam com arte.
O estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existe. Neste estado, além da tranqüila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve, porque na graça tudo é tão, tão leve. É uma lucidez de quem não advinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. Não perguntem o quê, porque só posso responder do mesmo modo infantil: sem esforço, sabe-se.
E há uma bem-aventurança física que a nada se compara. O corpo se transforma num dom. E se sente que é um dom, porque se está experimentando, numa fonte direta, a dádiva indubitável de existir materialmente.
No estado de graça, vê-se às vezes a profunda beleza, antes inatingível, de outra pessoa. Tudo, aliás, ganha uma espécie de nimbo que não é imaginário: vem do esplendor da irradiação quase matemática das coisas e das pessoas. Passa-se a sentir que tudo o que existe – pessoa ou coisa – respira e exala uma espécie de finíssimo resplendor de energia. Na verdade, o mundo é impalpável.
Não é nem de longe o que mal imagino deva ser o estado de graça dos santos. Esse estado jamais conheci e nem sequer consigo advinhá-lo. É apenas o estado de graça de uma pessoa comum que, de súbito, se torna totalmente real, porque é comum e humana e reconhecível.
As descobertas nesse estado são indizíveis e incomunicáveis. É por isso que, em estado de graça, mantenho-me sentada, quieta, silenciosa. É como numa anunciação. Não sendo, porém, precedida pelos anjos que, suponho, antecedem o estado de graça dos santos, é como se o anjo da vida viesse me anunciar o mundo.
Depois, lentamente, se sai. Não como se estivesse estado em transe – não há nenhum transe –, sai-se devagar, com um suspiro de quem teve o mundo como este é. Também já é um suspiro de saudade. Pois tendo experimentado ganhar um corpo e uma alma e a terra, quer-se mais e mais. Inútil querer: só vem quando quer e espontaneamente.
Não sei por quê, mas acho que os animais entram com mais freqüência na graça de existir do que os humanos. Só que eles não sabem, e os humanos percebem. Os humanos têm obstáculos que não dificultam a vida dos animais, como raciocínio, lógica, compreensão. Enquanto que os animais têm a esplendidez daquilo que é direto e se dirige direto.
Deus sabe o que faz: acho que está certo o estado de graça não nos ser dado frequentemente. Se fosse, talvez passássemos definitivamente para o outro lado da vida, que também é real, mas ninguém nos entenderia jamais. Perderíamos a linguagem em comum.
Também é bom que não venha tantas vezes quanto eu queria. Porque eu poderia me habituar à felicidade – esqueci de dizer que em estado de graça se é muito feliz. Habituar-se à felicidade seria um perigo. Ficaríamos mais egoístas, porque as pessoas felizes o são, menos sensíveis à dor humana, não sentiríamos a necessidade de procurar ajudar os que precisam – tudo por termos na graça a compensação e o resumo da vida”.


Estado de Graça - Clarice Lispector

segunda-feira, 3 de junho de 2013

-

Faz parecer que as vinte-e-quatro-horas do meu dia passam de-va-ga-ri-nho e não tem botão pra avançar em você como eu bem queria fazer agora. Deixo o trabalho e parece que eu tenho sempre quinze anos de idade de novo porque você me aflige, me ataca, me espreme e tira mais de mim do que muito psicanalista com doutorado e me causa uma taquicardia que a minha boca fica seca, eu me descontrolo – mesmo que só na minha cabeça – mas não repara, tá? Repara no que você me faz de bom e de como a vida ficou boa quando você quis ficar por aqui, passeando, me fazendo sala, jogando baralho xadrez dominó ou dormindo em cima de mim. Repara que eu estampo na cara o que o seu uso prolongado pode causar de efeito colateral – pra bem e pra mal – e as reações adversas que me causam o excesso e a abstinência de você. Repara que pra você eu me separo em partes, das que você precisa conhecer às que a gente pode ignorar um pouco agora, e sempre te apresento o melhor de mim, servido na bandeja com um Martini e azeitona.
Me lembra como é bom desacreditar e ser pego de surpresa com alguma coisa boba rondando a cabeça que até os meus amigos perguntam – mas já sabem que vem de você. Já sabem que eu misturo o teu cheiro, as tuas roupas, a sua preferência por cachorros e bebês que me deixam de lado nos shoppings cinemas peças parques encontros, os filminhos água-com-açúcar-que-você-adora-ver-escondida e faço uma bagunça danada dentro de mim. Engraçado que a gente tinha tudo pra se repelir porque você não é nem meu oposto, nem se parece comigo, nem sei dizer mesmo como é que um esbarrão podia ter sido a coisa mais doce da minha vida quando eu nem ao menos tinha provado o teu gosto.


D. Bovolento,

terça-feira, 28 de maio de 2013

leminski

nascemos em poemas diversos
destino quis que a gente se achasse
na mesma estrofe e na mesma classe
no mesmo verso e na mesma frase

rima à primeira vista nos vimos
trocamos nossos sinônimos
olhares não mais anônimos

nesta altura da leitura
nas mesmas pistas
mistas a minha a tua a nossa linha'

terça-feira, 14 de maio de 2013

Explicação

Meu verso é minha consolação.
Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.
Para beber, copo de cristal, canequinha de folha-de-flandres,
folha de taioba, pouco importa: tudo serve.

Para louvar a Deus como para aliviar o peito,
queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos
é que faço meu verso. E meu verso me agrada.

Meu verso me agrada sempre...
Ele às vezes tem o ar sem-vergonha de quem vai dar uma cambalhota,
mas não é para o público, é para mim mesmo essa cambalhota.
Eu bem me entendo.
Não sou alegre. Sou até muito triste.
A culpa é da sombra das bananeiras de meu país, esta sombra mole, preguiçosa.

Há dias em que ando na rua de olhos baixos
para que ninguém desconfie, ninguém perceba
que passei a noite inteira chorando.
Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson,
de repente ouço a voz de uma viola...
saio desanimado.
Ah, ser filho de fazendeiro!
À beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer córrego vagabundo,
é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de.
E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria.
Aquela casa de nove andares comerciais
é muito interessante.
A casa colonial da fazenda também era...
No elevador penso na roça,
na roça penso no elevador.

Quem me fez assim foi minha gente e minha terra
e eu gosto bem de ter nascido com essa tara.
Para mim, de todas as burrices a maior é suspirar pela Europa.
A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro
e tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na gente.
O francês, o italiano, o judeu falam uma língua de farrapos.
Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só,
lê o seu jornal, mete a língua no governo,
queixa-se da vida (a vida está tão cara)
e no fim dá certo.

Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou.
Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta.



Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987)

domingo, 12 de maio de 2013

mãe

Donela menina de pano
Linda boneca de pena
Vai parir não vai parar
Crianças de aquarela
Vai criar um coração
de um tamanho que não cessa
Vai cuidar da criação
A flor de filho a pedra e a água
A filha pede a madrugada
Tudo em volta gira e gera
Tudo em volta não espera

Mãe porque o sorvete é de soja
Mãe porque eu não posso dormir sujo
Mãe me diz o que quer que eu seja
Mãe me diz quem é você

Mãe me diz que é Fidel e o que é um Papa
Mãe como você faz pra voar
Mãe porque não mata barata
Mãe me diz quem é você
                 

                                                         "Mãe me diz quem é você"

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Afinidade acontece - um mesmo signo, um mesmo par de
Sapatos caramelo, um mesmo livro de cabeceira.
Afinidade acontece entre seres humanos. a mesma frase
Dita ao mesmo tempo, o diálogo mudo dos olhares e a
Certeza das semelhanças entre o que se canta e o que
Se escreve. afinação acontece. um mesmo acorde, um
Mesmo som, uma mesma harmonia. afinação acontece entre
Instrumentos musicais. a mesma nota repetidas vezes, a
Busca pela perfeição sonora e a certeza das
Similaridades entre um tom acima e um tom abaixo. a
Incrível mágica acontece quando os instrumentos
Musicais descobrem afinidades humanas entre si no
Mesmo instante em que os seres humanos descobrem
Afinações musicais dentro deles mesmos'


Anitelli

segunda-feira, 22 de abril de 2013

linde-z


Mais fácil imaginar o que nunca foi do que o que teve laço marcado e contado em retratos, álbuns e um punhado de lembranças. Mais fácil pressupor que os amores que não foram seriam mais fortes, mais duradouros e, quem sabe, mais amados. Mais fácil viver uma vida de “e se…” quando os amores que já foram sofrem de um abandono romântico gradual. É que a gente não é justo na memória e vai sempre achar que os amores que nunca aconteceram foram os mais bonitos.

Um misto de imaginação e expectativa gostosa faz com que a gente projete naquela possibilidade de amor distante um tipo de afeto memorável. Pros amores que nunca existiram, a gente ainda tem cama. Tem casa, quarto e espaço. Tem pedido de desculpas e um imaginário que deixa a gente bobo pensando ainda que podia ter sido o grande amor das nossas vidas. Pros amigos, a gente sempre seleciona as melhores histórias de amores que sumiram de um dia pro outro, de alguém que a gente amou à primeira vista ou de um daqueles dias que nunca viraram dois. A nossa recordação afetiva é meio injusta com os amores que ficaram.

Os que ficaram, viveram e provaram que mereciam espaço. Tiveram que aguentar a convivência, nem sempre pacífica e razoável, de uma companhia escolhida e acolhida por pura e própria vontade – e talvez por amor. Ficaram, bateram o pé e tiveram seus dias de luta e de glória. Com bom dia e boa noite. Com batida de porta e gritaria. Com choro ou sorrisinho bobo. Com adeus e até um dia desses. O que a gente não enxerga é que os amores reais também são bonitos. E por terem sido reais e terem trazido pro nosso dia-a-dia um pouco daquele sentimento que a gente sempre esperou utilizar, dar e receber dos amores do talvez, eles merecem da gente uma beleza para além da imaginação. Papo de romantismo real, sem o aspecto ilusório que a gente cria sempre que começa a se apaixonar por alguém ou pensa em como teria sido construir alguma coisa com alguém que nem fez questão de ficar – ou não ficou porque nunca existiu de verdade.

Os amores de verdade são mais bonitos porque dariam filmes, novelas, histórias de cinema que as pessoas não costumam contar. Eles fogem do senso comum e vivem de acordo com cada par que se encontra por aí. São mais bonitos porque têm a sua forma de expressar o que sentem e o que não sentem e são independentes da imaginação para tirar um sorriso da gente ou pra fazer um dia feliz. Amores reais não precisam ser sonhos pra fazer a gente sonhar – e você nem precisa fechar os olhos pra tê-los. Eles tão ali e se responsabilizam por tudo o que acontecer a dois. Pagam o preço e bancam o terreno deles. E vivem. E escrevem palavras na nossa pele que significam mais do que possíveis histórias que a maioria de nós criaria com algum tempo ocioso e com alguma pessoa que a gente nem chegou a conhecer de verdade. Esses amores não são scripts rodados nem clichés literários. Eles se apresentam nus, com estrias, celulites e luz acesa. Assim, de pronto, de choque, com toda a verdade bonita e feia que poderiam ter.

Se você pensar bem, os seus amores reais renderam as melhores coisas. As melhores lembranças. Muitas. Muito mais do que qualquer outro amor que você não tenha vivido. Renderam até dores – mas dores reais, com motivos, razões e discussões que existiram de verdade. E, querendo ou não, acho que eles merecem o seu lugar preferido na memória, ainda que a gente precise de imaginação pra deixar as coisas menos fora da rotina e mais interessantes. Como diria Chico, amores serão sempre amáveis. Mas os amores reais serão sempre as pessoas que resolveram amar a gente de verdade, sem precisar imaginar como teria sido.



Os amores de verdade são mais bonitos
Daniel Bovolento -

segunda-feira, 8 de abril de 2013

-

Não vou buscar
A esperança
Na linha do horizonte
Nem saciar
A sede do futuro
Da fonte do passado
Nada espero
E tudo quero
Sou quem toca
Sou quem dança
Quem na orquestra
Desafina

Quem delira
Sem ter febre

Sou o par
E o parceiro
Das verdades
À desconfiança

quinta-feira, 4 de abril de 2013

suín

Se todos fossem iguais a você, as paredes teriam a cor da felicidade estampada. Os passos seriam leves. O sorriso, fácil. As notas de rodapé estariam todas em letras maiúsculas. Pediriam cuidado. Seriam distraídas e poéticas. Se todos fossem iguais a você, os dias seriam mais leves. As palavras seriam ditas mais claramente e diretamente, embora sem magoar. O orgulho seria retraído e o perdão antecipado. A atenciosidade e o cuidado se sobressairiam. Se todos fossem iguais a você, as horas seriam menos exaustivas. As piadas teriam mais graça. Todos os dias seriam de festa. Teria sol em todos os meses do ano. O sentimento seria mais exposto e a verdadeira amizade teria o significado que lhe cabe. Se todos fossem iguais a você, haveria mais dedicação. Haveria mais carinho, mais abraços, mais companheirismo, mais conversa, mais amor ao próximo, mais dias claros e menos detalhes. Se todos fossem iguais a você, os momentos seriam mais fáceis. O rancor seria demolido e o amor exaltado. Os campos seriam de girassóis, lindos e vivos. Os dias soariam como música ao pé do ouvido e uma risada ecoaria sempre aos quatro cantos.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

-

Quando a gente se encontra, cresce no peito um gosto de vida, um sorriso, tanto querer.
É quando a luz da saudade acende de um jeito
Se faz tanto tempo a gente não quer nem saber
Agora será como sempre, eterno, presente
Certeza que mesmo distante, em nós resistiu
Seja luar, amanhecer, saudade vem e vai, amor é o que me levará a você'

Geraldão

terça-feira, 2 de abril de 2013

sabê

Não precisamos nos tornar escravos da modernidade, mas não ver o quanto tudo é lindo e perder a oportunidade maravilhosa de viver e se deslumbrar com o mundo é bem triste. Saiba desligar todos os seus aparelhos luminosos e passar um final de semana isolado em uma cachoeira. Mas sorria sozinho quando voltar pra casa, voando numa máquina de quase 80 toneladas. Entenda quanto tudo é incrivelmente maluco e por isso, muito mais fascinante

sábado, 30 de março de 2013

ó, ô

“A princípio foi este olhar um simples encontro; mas, dentro de alguns instantes, era alguma coisa mais. Era a primeira revelação, tácita mas consciente, do sentimento que os ligava. Nenhum deles procurara esse contato de suas almas, mas nenhum fugiu. O que eles disseram um ao outro, com os simples olhos, não se escreve no papel, não se pode repetir ao ouvido; confissão misteriosa e secreta, feita de um a outro coração, que só ao céu cabia ouvir, porque não eram vozes da terra, nem para a terra as diziam eles. As mãos, de impulso próprio, uniram-se como os olhares; nenhuma vergonha, nenhum receio, nenhuma consideração deteve essa fusão de duas criaturas nascidas para formar uma existência única.”


- Machado de Assis

quinta-feira, 28 de março de 2013

pnnh

"Saudade é melhor do que caminhar vazio"

t6


Não acabarão nunca com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço o juramento:
Amo
firme,
fiel
e verdadeiramente.



Vladimir Maiakóvsk

terça-feira, 26 de março de 2013

Fcj

É uma coleção de despropósitos carregados de sentido -

"Admirável humanização que se estende a cada verso. Ler o poeta é perdoar os defeitos; é não querer ser melhor do que os outros, mas melhor para si.

Anarquista por hábito e estilo, luta contra o tédio da perfeição, promove os problemas, defende a importância das dificuldades da rotina.

Por mais que os amores sejam idealizados, acordar dos traumas é a sua verdadeira paixão. Ele torce as palavras, investiga o avesso, estabelece paradoxos. Não teme enfrentar a irritação cotidiana. Não subestima os desastres familiares. Sua impaciência é honestidade. Tem noção de que viver é fácil, conviver é que complica o jogo"



segunda-feira, 25 de março de 2013

"Aprenda a aceitar a vida como ela vem.
Quando algo acontecer, aceite; quando
desaparecer, aceite.
Quando o prazer vier, aceite-o;
quando ele evaporar, aceite.
Permaneça sem julgar, simplesmente
uma testemunha silenciosa de tudo.
Este é o segredo mais profundo de
todos os budas, de todos os
acordados"

osho

quinta-feira, 14 de março de 2013

iportugal

Eu vou escrevendo a minha história. Ora com lápis clarinho com letra quase invisível, que são os momentos silenciosos, onde os rabiscos saem tímidos, quase sem querer. Ora com caneta preta, vermelha, forte, grifando bem as palavras para eu não me esquecer. Considerando cada momento, cada etapa, seja ela qual for de extrema importância, sem, contudo achar que estou fazendo algo fabuloso.

E não é que me falte desejos! Tenho sim, desejos de escrever uma história fenomenal, mas por enquanto fico devendo e vou apenas cumprindo a minha função de escrever alguns dias perfumados e outros sem nenhum odor. Essa tarefa eu me dou ao prazer e acho proveitoso observar que não sou restrita. Escrevo longas laudas. Apago e algumas vezes, amasso, jogo fora e começo tudo de novo.

Sem essa de melancolia. Escrevo alegremente e quando volto para reler o que foi escrito, percebo que realizei algumas coisas bacanas e cometi algumas loucuras que se pudesse não teria feito. Isso são pensamentos de minutos, pois até as loucuras me foram permitidas viver. Sem essas loucuras eu não teria colecionado um bocado de sonhos e ousadia para pensar outros.

Escrevo quando me dá na cabeça e palavras saciam minhas indagações, mesmo sem trazer respostas coerentes. Minha escrita vem da alma, sem intenção de salvar quem quer que seja. Escrevendo, permuto a tristeza, a saudade, a angústia pelo afeto e assim resolvo minhas indagações sentimentais.

Considero-me boa. Boa nos exageros, na pressa, nas urgências, na falta de paciência. Sou capaz de fazer atrapalhadas fenomenais, sem ofender ou ultrapassar meus limites.


Minha história, escrita numa letra legível, redonda e bem definida, possui uma sequência de saídas, soluções, respostas, resultados, como se fosse uma operação matemática. Estes trechos foram os momentos de sanidade, razão tomando pé da situação, dando as ordens, debochando da intolerante emoção. Vez ou outra aparecem uns lances perigosos tentando derrubar a eloqüência da razão. Nada mal para quem gosta de acertar.


Sem aceitar reprovação, alguns trechos e que são exatos do meu feitio, possuem uso sem moderação de extensa pontuação. São as vírgulas necessárias indicando um suspiro leve. As infinitas reticências, que aguardam respostas para questões subjetivas, únicas, particulares. São os tempos de fragilidade, incertezas e de lágrimas. Há ainda algumas escritas imbecis, emburradas e instigantes que variam de interrogações a exclamações, como se eu tivesse realizado grande coisa, ou colocado contra a parede a vida. A minha vida.


Existem ainda trechos de concordância dos pontos finais. Fecharam-se ciclos, concordei ou precisei aceitar algumas coisas. Aspirando um novo começo. Uma nova etapa, as reticências cumpriram sua missão. Deixando, algumas seqüelas afetivas, incapazes de reagir à tamanha decisão da minha história, os pontos finais anunciam partidas daquilo que foi vivido e chegadas, reconfortando os sonhos e acalentando as esperanças.
Mesmo assim, nos momentos de claridade, não revido ofensas e nem causo furacões de qualquer natureza. Vou vivendo um pouco aqui, um pouco ali. Deslizo. Tropeço. Acerto. Um pouco por amor e outro pouco por insistência.

Amor é minha maior substância. Com ele tenho intimidade. Aliás, interesso-me pelo amor e sinceramente espero que ele também tenha interesse em mim. Esse é o gancho que uso para entregar-me aos bons sentimentos. E desse jeito, muito pessoal eu repenso sobre meus erros. Refaço meus conceitos e rapidamente percebo que percorro sempre o mesmo caminho. Tarde demais para pensar em trocar os fusíveis do coração. Levo tudo ou tudo vai me levando.


Esses são mais tradicionais sintomas de quem se abestalha pelo amor. Fui premiada com eles todos. Com todo este desastre emocional eu me curo nas letras ou elas me curam. Pouco importa a ordem, só sei que apesar de tudo, acho isso muito libertador. Encolho-me e estico tanto o coração quanto o corpo para ver no que vai dar.

Nesse ritual, recorro com facilidade ao mundo lá fora para ver se combina com o mundo que há dentro de mim. Caso a opção seja falsa, não me encho de questionamentos. Deixo pra depois. Amanhã quem sabe volto a pensar no assunto.


Acho tudo isso bonito, mesmo sem ver sombras de glória, sucesso e uma porrada de outras coisas que deveriam submergir as histórias de vida. Essa é a minha, poxa. Bem ou mais ou menos escrita, comprova a minha existência, as minhas tentativas irritantes e a minha insignificância em alguns momentos. Escrevo e canto. Canto e escrevo, com promessas de deixar prevalecer o essencial, o básico. Deixo tudo isso caber dentro de mim e se sobrar espaços, colocarei mais romances, amores, ternuras, doses mais generosas de alegria. Tudo sempre mais, para não sobrar nenhuma página em branco.

Ac

Ai Margarida,
Se eu te desse minha vida,
Que tu farias com ela?
-Tirava os brincos do prego,
Casava c’um homem cego
E ia morar na Estrela.

Mas, Margarida
Se eu te desse a minha vida,
Que diria tua mãe?
-(Ela conhece-me a fundo)
Que há muito parvo no mundo
E que eras parvo também.

E Margarida,
Se eu te desse minha vida
No sentido de morrer?
-Eu iria ao teu enterro,
Mas achava que era um erro,
Querer amar sem viver.

Mas Margarida,
Se este dar-te a minha vida
Não fosse senão poesia?
-Então, filho, nada feito.
Fica tudo sem efeito.
Nesta casa não se fia.

quarta-feira, 6 de março de 2013

¨

"Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver"


Alberto Caeiro, 23/07/1930

segunda-feira, 4 de março de 2013

-nb-

Tem alguma coisa no teu abraço, no teu riso, que me come, que me excita, que me irrita de uma maneira despreocupada e leve. Eu aprecio cada expressão ingênua sua, me fazendo parecer a rainha do drama e sendo meu fiel cavalheiro. Existe algo nos teus olhos que me engolem firme e desesperados, suplicando por qualquer coisa que faça você permanecer no mesmo lugar, mais que alguns dias. Por vezes te vejo indo e vindo, sem rumo, sem prumo, sem grito, sem guerra; enquanto tento te explicar o quanto preciso de você aqui. Até descobrir que eu não preciso dizer nada, cada detalhe meu te abre as portas e janelas da casa. Os livros na mesa de centro, teu disco que ainda não fugiu da vitrola, tua camisa que me aquece em noites a fio, naquele inverno que parece eterno quando não está. Entrelaço meus braços pela sua cintura e me abrigo em braços largos - que me trazem certezas guardadas em um coração que eu já nem sentia mais bater

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

fermata

Feito música, tua voz em notas graves invadiu a minha alma
E meu peito acelerado descompassou nessa canção.
Entre bemóis e sustenidos, te ouvi pedindo calma,
Ao ler feito partitura o som da minha inquietação.

Entre passos e compassos,
Revivi nossa antiga melodia.
Te senti mais uma vez no meu abraço,
E dançamos como fora no primeiro dia.

Mas na escala da esperança,
Não ouvi agudo tom.
Pois teu grave, tão contido,
Me negava audível som.

E no fim dessa canção, composta em um reencontro,
Não fizemos com sucesso, esse dueto lado a lado.
Pois notando a ilusão em teu olhar se despedindo,
Minha boca solfejou mais um adeus desafinado.


G.F.

djá

O seu amor
Reluz
Que nem riqueza
Asa do meu destino
Clareza do tino
Pétala
De estrela caindo
Bem devagar...

Oh! meu amor!
Viver
É todo sacrifício
Feito em seu nome
Quanto mais desejo
Um beijo, um beijo seu
Muito mais eu vejo
Gosto em viver
Viver!

Por ser exato
O amor não cabe em si
Por ser encantado
O amor revela-se
Por ser amor
Invade
E fim

domingo, 17 de fevereiro de 2013

nerú

Quando o tempo nos vai comendo com o seu relâmpago quotidiano decisivo, as atitudes fundadas, as confianças, a fé cega se precipitam e a elevação do poeta tende a cair como o mais triste nácar cuspido, perguntamo-nos se já chegou a hora de envilecermos. A hora dolorosa de ver como o homem se sustém a puro dente, a puras unhas, a puros interesses. E como entram na casa da poesia os dentes e as unhas e os ramos da feroz árvore do ódio. É o poder da idade, ou porventura, a inércia que faz retroceder as frutas no próprio bordo do coração, ou talvez o «artístico» se apodere do poeta e, em vez do canto salobro que as ondas profundas devem fazer saltar, vemos cada dia o miserável ser humano defendendo o seu miserável tesouro de pessoa preferida? 
Aí, o tempo avança com cinza, com ar e com água! A pedra que o lodo e a angústia morderam floresce com prontidão com estrondo de mar, e a pequena rosa regressa ao seu delicado túmulo de corola. 
O tempo lava e desenvolve, ordena e continua. 
E que fica então das pequenas podridões, das pequenas conspirações do silêncio, dos pequenos frios sujos da hostilidade? Nada, e na casa da poesia não permanece nada além do que foi escrito com sangue para ser escutado pelo sangue.