E o dia não se foi e seus pés procuravam os meus no frio e ela ria nacama e escondia o rosto na dobra do casaco e puxava para perto. E pulou dacama e correu e voltou com uma caneta e disse “levanta a blusa”. Continueiimóvel, com cara de preguiça, e ela me beijou e disse “levanto eu então” elevantou a blusa e abriu a calça e escreveu em minha virilha “Quero viver nobolso do seu jeans.” E sorrindo completou em meu ouvido, de modo lento esussurrante e tão forte, quase profano, devasso, de quase perversão ouperfeição “e ser a menina bonita do laço de fita dele, um chaveiro, a chave. E meperder em sorrisos, viver em versos. Versos, ver sós, ver sóis. Luz”. Passou alíngua em meu ouvido, me beijou, se trocou e saiu pro trabalho. E essa foto eesse dia bom que me persegue de novo. Não me lembrava dessa. Acho que elanão sabe dela. Mas, Deus. Tantas lembranças. Não há mais o que lembrar alémda saudade, e saudades do quarto amanhecendo.A luz, aos poucos - fria, discreta - começava a espiar por entre ascortinas que mudavam, tão marrons, de cor. Difícil encontrar meio de descreverquão amarelo era. E derretia, frio e discreto, por tudo que havia à volta. Oarmário de seis portas, uma mesa com luminária, alguns papéis em cima. Umaprateleira lotada de livros interessantes, livros nem tanto, autores bons, autoresde que nunca tinha ouvido falar. Livros de nomes que davam uma vontade deler, os DVDs de filmes premiados de bancada de ofertas. Todos os discos comtodas as músicas que brincávamos de viver, de sentir diferente. Sinto falta doquarto amanhecendo.Sinto falta de tudo se decompor em amarelo. Sinto falta da cama tãodesarrumada em nossos lençóis revirados. Sinto falta daquelas pernas que umdia cercaram-me enquanto deitava, sinto falta do rosto ao ouvido. Respiraçãoao ouvido, respiração ao ouvido, respiração ao ouvido, respiração ao ouvido.Sinto falta de sentir o ar levando aquelas mãos, leves, por toda a minhacintura e descendo e subindo. Sinto falta do perfume a levar, a levar. Levar. E dorosto, derretido em amarelo frio e discreto, ainda com sono, olhos sequerabertos, perfume ainda ali. Escondendo os cabelos do meu olhar, se mantendo àmostra, se mantendo em mim. Sinto falta do gosto do perfume. Do gosto dogosto e do perfume do gosto. Sinto falta do rosto e das palavras sem sons queme desfizeram - em um amarelo frio e discreto.O amarelo seria esquecido nas luzes vermelhas do meio-dia.
- dancorrea' - "T.C."
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