quinta-feira, 5 de dezembro de 2013



E o dia não se foi e seus pés procuravam os meus no frio e ela ria na
cama e escondia o rosto na dobra do casaco e puxava para perto. E pulou da
cama e correu e voltou com uma caneta e disse “levanta a blusa”. Continuei
imóvel, com cara de preguiça, e ela me beijou e disse “levanto eu então” e
levantou a blusa e abriu a calça e escreveu em minha virilha “Quero viver no
bolso do seu jeans.” E sorrindo completou em meu ouvido, de modo lento e
sussurrante e tão forte, quase profano, devasso, de quase perversão ou
perfeição “e ser a menina bonita do laço de fita dele, um chaveiro, a chave. E me
perder em sorrisos, viver em versos. Versos, ver sós, ver sóis. Luz”. Passou a
língua em meu ouvido, me beijou, se trocou e saiu pro trabalho. E essa foto e
esse dia bom que me persegue de novo. Não me lembrava dessa. Acho que ela
não sabe dela. Mas, Deus. Tantas lembranças. Não há mais o que lembrar além
da saudade, e saudades do quarto amanhecendo.
A luz, aos poucos - fria, discreta - começava a espiar por entre as
cortinas que mudavam, tão marrons, de cor. Difícil encontrar meio de descrever
quão amarelo era. E derretia, frio e discreto, por tudo que havia à volta. O
armário de seis portas, uma mesa com luminária, alguns papéis em cima. Uma
prateleira lotada de livros interessantes, livros nem tanto, autores bons, autores
de que nunca tinha ouvido falar. Livros de nomes que davam uma vontade de
ler, os DVDs de filmes premiados de bancada de ofertas. Todos os discos com
todas as músicas que brincávamos de viver, de sentir diferente. Sinto falta do
quarto amanhecendo.

Sinto falta de tudo se decompor em amarelo. Sinto falta da cama tão
desarrumada em nossos lençóis revirados. Sinto falta daquelas pernas que um
dia cercaram-me enquanto deitava, sinto falta do rosto ao ouvido. Respiração
ao ouvido, respiração ao ouvido, respiração ao ouvido, respiração ao ouvido.
Sinto falta de sentir o ar levando aquelas mãos, leves, por toda a minha
cintura e descendo e subindo. Sinto falta do perfume a levar, a levar. Levar. E do
rosto, derretido em amarelo frio e discreto, ainda com sono, olhos sequer
abertos, perfume ainda ali. Escondendo os cabelos do meu olhar, se mantendo à
mostra, se mantendo em mim. Sinto falta do gosto do perfume. Do gosto do
gosto e do perfume do gosto. Sinto falta do rosto e das palavras sem sons que
me desfizeram - em um amarelo frio e discreto.

O amarelo seria esquecido nas luzes vermelhas do meio-dia. 




 - dancorrea' - "T.C."

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