quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

ácido de rosa


Ah, meu bem. Eu vou sentir a sua falta. Pronto. Direto e indolor.

Vou sentir de verdade a ausência de cada pedaço seu aqui. E quando eu me refiro a aqui, eu me refiro à maçaneta da minha porta, ao cobertor da minha cama, aos filmes de Domingo, aos meus cabelos bagunçados de manhã. Eu queria que você ficasse mais um pouco. É um pouco infantil, mas é como a Cinderela: não quero que chegue meia-noite nunca e que nosso encanto se desfaça. Eu sei que sempre fico meio boba quando vou tentar escrever a você. Meu forte nunca foram as palavras, mas sim as emoções. E dessas eu entendo bem. Quando eu vivo as suas histórias, quando me torna uma das suas personagens, uma dessas mulheres que você pinta e borda com paixão, eu vivo. Vivo a indecisão, a passionalidade, o amor exagerado. Vivo o papel de mãe, de amiga, de amante e de eu – lírico. Eu vivo mil vidas por meio da sua.
...Foi então que você me encontrou. E eu nem lembro mais qual foi a primeira palavra que eu disse ou o primeiro alô que você me deu. Eu escrevi um livro inteiro dedicado a nós. Mentira. A história é inteiramente sua. Pode me acusar de plágio se quiser. Eu não ligo. Vou ter as memórias, as fotografias, você… Os registros que eu bolei não são importantes perto disso. Ô, amor, faz tão pouco tempo que você me encantou. Confesso que no início eu me achava bobo demais pra você. E te achava séria demais quando ria e quando cantava alguma música de Los Hermanos no violão. E até quem me vê lendo jornal na fila do pão sabe que eu te encontrei. 
Pra te dizer a verdade, eu não me canso de escrever essa carta de hoje. E saiba de antemão que você não vai lê-la tão cedo. É pros agradecimentos do livro que eu estou escrevendo. Aquele mesmo sobre você. Espero que o mundo entenda quando eu contar a eles que seus olhos não são castanhos, mas cor de mel. E se eles não entenderem, bobagem. Não vão entender mais nada, nem do início, nem do final. Talvez seja porque do nosso amor é a gente quem sabe. Talvez seja porque eles não entenderiam se eu dissesse outra dessas coisas de amor. Mas eu quero que eles entendam que estou tentando mostrar a eles quem você é pra mim. Porque eu consigo te ver em cada parágrafo desse texto, por maior e mais infinito que ele seja. Mas… Pensando bem, talvez seja melhor que eles nunca saibam quem você é. Pode ser um pouco de egoísmo meu, mas não quero que eles te descubram. O meu medo é que eles te achem tão maravilhosa quanto eu acho e queiram te descobrir mais. Nem eu mesmo te descobri por inteiro ainda.

- Decidido: vou te guardar pra mim.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

doispontocinco'

Dizer que escreverei com as palavras
soa redundante,
mas não o é.
Pois geralmente escrevo com os sentimentos.
Todavia, hoje eles se abrigam no sorriso dela,
no modo de olhar esnobe dela,
no rosto expressivo,
Nos gestos alegres.
E eu, eu me calo.
Me silencio.
Eu não sou mais,
sou menos.

Escrevo com as palavras,
pois se usar dos sentimentos,
palavras já não mais sairão.
Teríamos folhas machadas de lágrimas e nada de versos solitários.
E meu leitor –que sou apenas eu–
opta pelos versos embutidos
nos corações amargos dos prostíbulos,
ou nos corações amargos dos palácios.
Qual a diferença? – na calada da noite, eles se misturam.
São todos corações amargos
e solitários.
A não ser eu,
Pois eu tenho as palavras.

Do alto da minha janela,
admiro seu sorriso, sem palavras.
Sobre as folhas amarelas,
Vejo-a dançando, sem palavras.
Pela luz da sua arandela,
admiro seu olhar, sem palavras.
Esquecendo-me da minha aureola
Vejo-a transando, sem palavras.
Percebo, então, algo que me horripila;
Sem palavras ela me diz
que renasceu.
Sem palavras ela me diz.
que me esqueceu.
Sem palavras ela me diz
que meus versos já não valem mais nada.

[nem, sequer, uma palpitação

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

-

"Só uma grande intuição pode ser bússola nos descampados da alma; só com um sentido que usa da inteligência, mas se não assemelha a ela, embora nisto com ela se funda, se pode distinguir estas figuras de sonho na sua realidade de uma a outra."

Alberto Caeiro -

..onde mora o meu café'

Então, um cheiro, uma palavra, um tom de voz me transporta para outros lugares. Alguns eu já frequentei, outros são sonhos realizados e tanto outros são apenas desejos.

Dos lugares que já frequentei há tantas palavras que eu não queria dizer e tantas outras que ouvi sem querer ter ouvido. Nesses lugares que já frequentei também tem cheiros que sou capaz de sentir até hoje, como o incrível cheiro do macarrão da minha avó, o cheiro da grama molhada numa noite de luar… São apenas segundos que vivi e que apenas segundos presentes me fazem recordar desses segundos passados.

É isso: quando se quer lembrar de um bom segundo, é preciso a liberdade plena de voar através dos pensamentos, chegará o momento, o segundo, que a lembrança desejada virá com mais força, com mais intensidade, com mais verdade!

Agora estou sentindo um cheiro de café, estranho que não é o café que minha mãe faz, tampouco o café da minha cafeteria preferida. É o cheiro do meu café que, consequentemente, me remota a ideia de que eu sei fazer um excelente café. Mas esse reconhecimento que eu sei fazer café nada mais é que, entre tantas as vezes que fiz café, teve uma em especial que eu estava mais feliz, mais completa, mais plena. E todos esses adjetivos eu ligo ao simples café que fiz, e que vou fazer agora. Quem sabe assim eu consigo um teletransporte para o eterno segundo do mundo paralelo do meu café perfeito.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

entre todas as coisas'



É que a tua voz é calma, então sobra espaço e silêncio quando você fala. A timidez sorri nos olhos e o prazer é todo meu, moça. Mãos suadas e um trago, mas você tem alergia ao meu cigarro e me escapa. Quase pulo da sacada pra te alcançar lá embaixo e vou de escada de incêndio pra chegar mais rápido. Sem flor nenhuma, mas eu arrisco e te estendo a mão. A timidez sorri nos lábios agora, e eu te acho tão bonita. Você diz que prefere amanhã e o meu domingo já começa bem. De camiseta ou vestido, eu sei que você vai estar lá assobiando, grudada a algum livro que eu nunca li e com fones discretos no ouvido. E eu assobio também. Você tira um sarro da minha cara porque eu musiquei você num chiado, e o agudo não te agrada tanto. Nada grave. É que a tua voz é d’alma, então enche o espaço e o silêncio em mim. Você me dissipa até de olhos fechados, num toque quente de lábios. E eu, que pra ninguém já fui calmo, estremeço do alto até a ponta dos pés. E as bochechas se enchem de rubor no lugar do beijo. E a timidez me entrega num sorriso. Você debocha do meu causo e diz que é minha culpa de musicar você pela metade. Num parque. Num dia de domingo.

E então eu largo a sua mão de lado e
Subo num banco e toco o assobio.
Imagino uma harpa e um bandolim
E combino o som dos dois num único fio.
Vou correndo pelos cantos,
Esbarrando nas mães e nas crianças
E provocando em você risos.
Que é pra mostrar que o seu encanto
- Não, nada de pranto –
Se esconde em mim como um pequeno menino.
E eu musico uma letrinha
Daquelas bem miudinhas
Sem intenção de rima, métrica ou arrepio.
Que é pra botar teu nome e
Tocar teu interfone e te chamar de abrigo.
Que é pra deixar num banco,
Num versinho ou num livro
Você e eu novamente
Num parque. Num dia de domingo.