quinta-feira, 30 de outubro de 2014

E Hughes G


[...] O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos fez crer a religião. O corpo é uma festa.[...]

Eduardo G.

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 "A memória guardará o que vale a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo"


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Serendipity

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

ósos

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Em minhas madrugadas de sono ela aparece.
Tuas mãos de fazer um sexo-segredo, sem que o resto do corpo saiba.
Me convidam. Fazemos dos compridos fios de moralidade, um coque.
Para que não limite nossas piruetas
E deixe livre sua liberdade
De ser mulher
De ser poeta
De ser balle
t
Na ponta dos pés, surge, tal como desaparece.
E espero minutos-infinitos até teu próximo ato.
“Já reparou que a gente nunca se viu ?”
Apenas te leio, aqui, dentro dessa caixinha sem música.
Que abro vez em quando pra fugir do mundo,
Em minhas madrugadas de sono, sem sono.
E pra assistir teu espetáculo.
De ser apenas quem se é.
Me mostrando os fragmentos de ti.
Só para me testar.
Os calos que a vida te deixou,
Te fazem se calar.
Eu que nada mais tenho a temer.
Me desnudo.
E te convido, pegando pela mão,
A caminhar-bailar comigo,
sem roupa,
Na orla do mundo,
No palco do cotidiano,

Iluminados pelo luar,
Onde enfim poderemos nos enxergar de verdade...

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Sobre a bailarina da poesia de rua

terça-feira, 28 de outubro de 2014

amnesia

Na primeira vez que os teus olhos buscaram os meus, assumo: usei de todas as minhas forças para não olhar em outra direção. Poderia culpar um momento de timidez, um cisco, o celular que vibrava ou o carro que passava, mas estaria mentindo.  Eles se mostraram coloridos demais para mim. Como eu, que trago órbitas castanhas e imutáveis, lidar com uma vista que, a depender do ângulo e do Sol, viaja para tons verdes e azuis?
Na segunda vez que você me deu boa noite, horas depois da primeira, reparei que seu cabelo era cor de abóbora, e meus pés quase me imploraram para ir embora.

Sem aviso prévio você decidiu pintar, sorriso após sorriso, o colorido em mim – e em todo o resto. Demorei para me acostumar com tuas cores, como alguém que sai do escuro e se encontra num oceano de luz.


Teu beijo tem gosto de amarelo, e amarelo nem gosto tem. Tua pele cheira violeta e teus sussurros sempre me alcançam em um tom de vermelho.
E ainda que eu tenha conseguido explicar cada nuance tua em cores específicas, nunca serei capaz de dizer qual predominou quando você rodou a saia e me puxou para dançar contigo, naquela primeira noite. Naquele momento você foi egoísta, narcisista, decidindo que queria todas as cores do universo para (e em) você, sem dar espaço e lugar pra mais ninguém. Naquele momento você foi o arco-íris mais bonito da minha existência.

Perto de você eu perdi o dom de escrever. As palavras deixaram de ser tão bonitas; tornaram-se um conjunto de traços e rabiscos que, apesar de todo o esforço, não passam de uma tentativa falha de explicar todo o colorido que é você. Quando tua silhueta desaparece pela porta do meu apartamento, consigo bater em algumas teclas e formar alguns parágrafos coesos e firmes. Basta o seu retorno, porém, para que eu consiga ver beleza apenas nas formas das tuas cores – e nas cores daquilo que você me trouxe.
Parte desse encanto se faz presente porque você não anunciou tua chegada – e nunca anuncia tua saída. Assim como não esperava por você, não espero que fique. Enquanto você dorme – e eu traio cada tom seu com essas combinações de letras, consigo imaginar tua partida: sem fazer muito barulho, sem causar nenhum alarde, silenciosa e colorida. Você há de ir embora, como tudo que é bom há de terminar – apenas para que outra coisa melhor possa começar. Só espero que, quando for, deixe tudo colorido. Assim, quando outros olhos verdes cruzarem os meus, não hesitarei por um instante sequer em desviar a vista.



Lucas Baranyi
A garota arco-íris

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quinta-feira, 23 de outubro de 2014

infinita-ela

[...] Acho que ninguém nunca saberá seu nome, mas nunca esquecerá da cor dos seus olhos nos dias de sol [...]
 
 H. Rodrigues

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

oslírios'


"Deu a mão a Olívia para a ajudar a erguer-se. Ao contacto daquela epiderme quente, teve um estremecimento agradável. E quando, lado a lado, desceram as escadas devagar, ele sentiu como nunca que estava perto de um ser humano, de alguém que era, que existia, de maneira profunda, integral, que não constituía apenas uma soma de vaidades, de atitudes, de desejos de parece"

É. Veríssimo,

ese?

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“E, se não fôssemos nós, pontais ao crepúsculo, vagarosos caminhantes dos prados do luar, como iria a noite – suas estrelas acendidas, suas esgarçadas nuvens, seu manto de negrume – como iria ela, perdida e solitária, acertar os caminhos tortuosos dessa cidade de becos e ladeiras? Em cada ladeira um ebó, em cada esquina um mistério, em cada coração noturno grito de súplica, uma pena de amor, gosto de fome nas bocas de silêncio, e Exu solto na perigosa hora das encruzilhadas”


Jorge Amado,
Pastores da Noite.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

neru


Por mim, gosto dos grandes vinhos, do amor, dos sofrimentos e dos livros como consolo para a inevitável solidão. Tenho até certo desprezo pela cultura como interpretação das coisas, me parece melhor um conhecimento sem antecedentes, uma absorção física do mundo, apesar de e contra nós mesmos. A história, os problemas “do conhecimento”, como são chamados, me parecem despojados de dimensão. Quantos deles encheriam o vazio? Cada vez vejo menos ideias ao meu redor, e mais corpos, sol, suor.


                                                                                                       -   in Confesso que Vivi

terça-feira, 14 de outubro de 2014

ah, carlos


"Abriu-se em calma pura, e convidando quantos sentidos e intuições restavam a quem de os ter usado os já perdera e nem desejaria recobrá-los, se em vão e para sempre repetimos os mesmos sem roteiro tristes périplos, convidando-os a todos, em corte, a se aplicarem sobre o pasto inédito da natureza mítica das coisas”

A Máquina do Mundo
CDA

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

quinnda

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Quando olhaste bem nos olhos meus,

E o teu olhar era de adeus.
Juro que não acreditei.
Eu te estranhei, me debrucei, sobre teu corpo,
E duvidei, e me arrastei, e te arranhei,
E me agarrei nos teus cabelos, nos teus pelos,
Teu pijama, nos teus pés, ao pé da cama,
Sem carinho, sem coberta,
No tapete atrás da porta,
Reclamei baixinho.

Dei pra maldizer o nosso lar,
Pra sujar teu nome, te humilhar,
E me vingar a qualquer preço.
Te adorando pelo avesso.
Só pra mostrar qu'inda sou tua.
Até provar qu'inda sou tua.

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Chico B., Atrás da Porta -